Nos últimos 21 e 22 de março, a esquina da Rua dos Inválidos com a Rua da Relação, no Centro do Rio de Janeiro, foi apropriada por manifestantes reivindicando que o prédio do antigo Dops seja transformado em um espaço de memória das resistências, conforme compromisso assumido pelo governador Sérgio Cabral em maio de 2013. Esta foi a primeira ocupação política e cultural da área em frente ao prédio onde funcionou um dos principais órgãos de perseguição política, tortura, morte e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura militar, o Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro.
Inserido no calendário das descomemorações dos 50 anos do golpe civil-militar, o Ocupa Dops reuniu ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos durante a ditadura, alunos de escolas municipais, artistas e militantes de movimentos sociais do Rio de Janeiro. Na sexta, a ocupação começou no final da tarde com uma aula pública da Luciana Lombardo, professora do Departamento de História da PUC-RJ, sobre a história do prédio do ex-Dops e da Polícia Civil, que é marcada pela repressão a diversos grupos sociais. Em seguida, a Cia de Mystérios e Novidades fez uma apresentação na calçada do prédio, com cânticos e tambores de raízes africanas, e clamando a criação do poder popular, em homenagem à resistência dos negros, que foram e continuam sendo intensamente reprimidos. Este primeiro dia também teve a participação do Coletivo Líquida Ação, que fez uma ação com baldes de água, expressando o afogamento e a luta para resistir à tortura, e grupos musicais com trajetória de luta política (Bloco da Esquerda Carnavalista, Anarco Funk e Bonde da Cultura), que apresentaram um repertório musical popular e de resistência. A programação da sexta encerrou com uma roda de samba e com projeções do coletivo Projetação.
No dia seguinte, por volta das 11h, a esquina da Rua da Relação com Rua dos Inválidos estava novamente sendo ocupada por manifestantes, que arrumavam um varal de fotos da violência policial, de ontem e hoje, um outro varal com retratos de desaparecidos da ditadura, e pintavam faixas (“Pela memória da resistência e “Contra o terrorismo de Estado”), as quais foram presas nos andaimes que estão na frente do prédio do ex-Dops. Houve um debate sobre violência do Estado no passado e no presente, que foi norteado pela Jessie Jane, professora de História da UFRJ, ex-diretora do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (AEPERJ) e ex-presa política; pelo Raul Nin, advogado, integrante do Coletivo DAR (Desentorpedecendo a razão), de São Paulo, e sobrinho de Raul Amaro, assassinado pela repressão da ditadura; por Fernando Soares, integrante do Laboratório de Direitos Humanos de Manguinho e da Resistência da aldeia Maracanã; e por Antônio Pedro Soares, representando o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. O segundo dia do Ocupa Dops também contou com apresentações de dança e teatro. A Escola e Faculdade de Dança esteve presente com três ações: Cyberskin, da Juliana Waehner, que se apresentou em um dos andares do andaime instalada na frente do prédio, recorrendo às artes plásticas para expressar a luta para se conseguir espaços, movimentos e construções diante de um material que adere, incomoda e pressiona; Pandeiros, com Conceição Carlos e Tainá Mecun, uma dança que faz referência a diferentes ritmos populares brasileiros; e Bife, de Dally Schwarz, uma performance que aborda a relação entre poder, prazer e repulsa. Em relação às apresentações teatrais, o Instituto Augusto Boal, com a presença Cecília Boal, e a Sociedade Brasileira de Autores (SBAT), realizaram duas leituras censuradas na ditadura: “O grande acordo internacional de tio Patinhos”, de Augusto Boal, e “Verde que te quero verde", de Plínio Marcos. O grupo Tá na Rua apresentou uma cena do espetáculo “Dar não dói, o que dói é resistir” que homenageia Augusto Boal. O espetáculo, dirigido por Amir Haddad, reúne uma significativa amostra da resistência cultural brasileira no período entre 1964 e 1985.
O Ocupa Dops também teve a contribuição do coletivo Projetação, que projetou na fachada do prédio imagens, fotos, frases e cartazes em referência à violência da polícia, do passado e do presente, materiais esses que foram levados pelos manifestantes. No sábado, foram exibidos três filmes, uma parceria com o Cine Fantasma: “Ninguém segura o Brasil: a propaganda do governo militar”, do Alfeu França, produzido em 2009, “Projeto 68”, da Júlia Mariano, produção de 2008 que narra a trajetória do movimento estudantil de 1968, e “Aranceles”, do Melo Viana, produção de 2009 que traça um panorama do cinema latino-americano, em um único plano-sequência, visto de dentro de uma prisão.
Nos dois dias da ocupação, foi feita a leitura do Manifesto pela Transformação do ex-Dops em Espaço de Memória da Resistência, uma homenagem aos ex-presos, aos perseguidos, aos mortos e desaparecidos, e abriu-se o microfone para quem quisesse dar um depoimento relacionado à violência policial, seja a da ditadura, seja a atual. Também aconteceram oficinas de grafitti, uma iniciativa do Levante Popular da Juventude. O Bloco do Nada encerrou esta primeira ocupação política e cultural do ex-Dops, incentivando a campanha do ex-Dops com o recado de que “nada deve parecer impossível de mudar”.
A proposta do Ocupa Dops foi uma iniciativa da campanha pela transformação do prédio do ex-dops em espaço de memória, que é um movimento que une diversas organizações, coletivos e militantes autônomos. Os dois dias de ocupação foram fruto de inúmeras articulações e discussões do Coletivo com uma série de movimentos, organizações, coletivos e militantes que aderiram à campanha pela transformação do ex-Dops/RJ em um espaço de memória da resistência. Atualmente, o prédio está em poder da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro e se encontra em péssimo estado de conservação interna, apesar de ser tombado pelo INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural). Há indícios de que o plano atual do governo do estado é abrigar ali o Museu da Polícia e uma galeria de lojas, a despeito do compromisso assumido pelo governador de transformar o prédio em um centro de memória.
Esses dois dias de ocupação semearam perspectivas positivas para a campanha, em relação à sensibilização da opinião pública para a necessidade de políticas de não repetição de crimes e violações dos direitos humanos como os cometidos durante a Ditadura e que ainda hoje estão impunes e são reproduzidos. O primeiro Ocupa Dops conseguiu fortalecer ainda mais as articulações no campo da Memória, Verdade e Justiça, chamando essa luta para a rua, para a realidade dos que se defrontam com as indesejáveis práticas da violência nos dias de hoje. Um grande desafio e estímulo para a campanha é aumentar consideravelmente a quantidade de assinaturas da petição pública pela imediata transformação do antigo prédio do Dops em um centro de memória da resistência, para entregá-la ao governador. A petição encontra-se no site: http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR69613.
O entusiasmo dos manifestantes e a adesão de novos parceiros e simpatizantes à causa sinalizam que a esquina da Rua da Relação com a Rua dos Inválidos passará a ser um espaço de efervescência política e cultural. No dia 31 de março, segunda-feira, véspera dos 50 anos do golpe civil-militar, em homenagem à memória da resistência, foi realizada no local uma roda de capoeira Angola, com diferentes grupos de capoeira.
Roda de capoeira em descomemoração aos 50 anos do golpe civil-militar |
Para mais fotos e vídeos do Ocupa Dops, conferir a página do facebook.
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